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Se esgotou, na manhã desta quinta-feira (22), o prazo estimado pelas autoridades dos Estados Unidos para a duração do oxigênio no Titan, o submarino desaparecido que desceu às profundezas do Oceano Atlântico para visitar os destroços do Titanic.
Na tarde da última terça-feira (20), em entrevista coletiva, o capitão do Primeiro Distrito da Guarda Costeira Jamie Frederick afirmou que o Titan ainda tinha 40 horas de oxigênio, tempo que esgotou nesta manhã.
As buscas, no entanto, ainda seguem para as cinco pessoas da embarcação: o empresário e aventureiro britânico Hamish Harding, o mergulhador francês Paul-Henri Nargeolet, o empresário paquistanês Shahzada Dawood e seu filho Sulaiman Dawood, além do CEO e fundador da OceanGate, empresa proprietária do submersível, Stockton Rush.
O quinteto embarcou, no último domingo (18), na aventura de conhecer um dos mais icônicos navios da história. O RMS Titanic foi construído em 1912 e fez sua viagem inaugural no dia 10 de abril, partindo do porto britânico de Southampton com destino a Nova York. No entanto, jamais chegaria ao seu destino, naufragando em sua viagem inaugural. Atingido por um iceberg, teve seu casco perfurado e afundou. Mais de 1,5 mil pessoas morreram na tragédia, já que a imponente e luxuosa embarcação não tinha botes suficientes para abrigar todos os seus ocupantes.
A história do navio “inafundável” deixou o mundo inteiro chocado, mas ao mesmo tempo fascinado. Nestes mais de 100 anos de histórias, não faltaram estudos, teses acadêmicas, peças de teatro, romances, documentários e séries de TV abordando o tema.
O assunto ganhou força total em setembro de 1985, quando uma equipe localizou os destroços do Titanic, cerca de 600 km de Terra Nova, no Canadá, e a 1.448 quilômetros da costa de Cape Cod, Massachusetts, nos EUA. Popularizou-se de vez com o filme dirigido por James Cameron em 1997, protagonizado por Leonardo di Caprio e Kate Winslet. Foi o que bastou para a tragédia se tornar um ícone pop, intrigando e conquistando ainda mais pessoas.
Esse clima de mistério fascinante atraiu, nos últimos anos, vários aventureiros que sonharam em chegar ao fundo do mar, a 3.800 metros de altitude, e encontrar os destroços do Titanic. Se em 1985 ele foi localizado com um submersível dotado de câmeras, agora seria possível criar veículos que pudessem levar pessoas para o fundo do mar e, ali, ver de perto o maior navio de sua época.
Esse sonho moveu Rush, que cultivava uma imagem de Jacques Cousteau moderno. Ele já havia chegado a dizer que o futuro da humanidade não estava no espaço, mas no fundo do mar. Em 2009 criou a OceanGate, com a finalidade de “aumentar o acesso ao oceano profundo por meio da inovação”. A empresa construiu e manteve três veículos submersíveis para realizar viagens surpreendentes ao fundo do mar. O Titanic acabou se tornando, lógico, a joia da coroa. Para esta viagem, foi designado um dos veículos, o Titan.
O submersível pesa cerca de 10 toneladas e é feito de fibra de carbono e titânio, possuindo cerca de 6 metros. Para embarcar, o preço a pagar é salgado: US$ 250 mil por pessoa, para uma viagem de oito dias.
Após a realização de viagens com sucesso em 2021 e 2022, a OceanGate se preparou para mais uma incursão ao fundo do mar. A aventura também contaria com a participação do empresário português Mário Ferreira, presidente da Media Capital, dona da TVI, do mesmo grupo da CNN Portugal. Amigo de Harding, tinha um bilhete reservado, mas em abril resolveu declinar do convite. “Ele (Harding) me desafiou para uma missão ao Titanic. Achei que não devia ir e não fui. Ainda bem que não fui”, disse.
A expedição começou com uma jornada de 740 quilômetros até o local do naufrágio. O submersível começou sua descida no domingo de manhã, mas perdeu contato com a tripulação do Polar Prince, o navio de apoio que transportou a embarcação até o local, 1 hora e 45 minutos após a descida, segundo autoridades.
As Guardas Costeiras dos Estados Unidos e Canadá iniciaram uma verdadeira operação de guerra para resgatar o Titan, até 10 navios e aeronaves foram mobilizadas para as buscas, primeiro na superfície do mar, depois nas profundezas.
Foram disponibilizados sonares, ROVs (drones aquáticos) e equipamentos de altíssima tecnologia para cumprir a missão. Mas não obtiveram sucesso.
Irônico imaginar que o submarino que visitaria o Titanic padecia da mesma negligência com a segurança demonstrada no icônico navio. Rush afirmou, em diversas entrevista, que via os esquemas de proteção como algo que inibiam a inovação e o avanço tecnológico.
A indústria comercial subversiva é “obscenamente segura”, disse ele em entrevista ao Smithsonian Magazine, em 2019, “porque eles têm todos esses regulamentos. Mas também não inovou ou cresceu – porque eles têm todos esses regulamentos.”
À medida que o mundo passou a acompanhar o drama dos ocupantes do submersível, também passou a conhecer histórias um tanto bizarras sobre o funcionamento do veículo.
Na última terça-feira, o jornal The New York Times informou que em 2018 líderes da indústria da submersíveis criticaram a “abordagem experimental” da OceanGate. O Comitê de Veículos Subaquáticos Tripulados da Marine Technology Society escreveu uma carta a Rush, expressando preocupação com a conformidade da empresa em relação a uma certificação de avaliação de risco marítimo conhecida como DNV-GL.
Na mesma época um funcionário da empresa, David Lochridge, levantou suspeitas sobre a espessura do casco. Ele apontou riscos no projeto e foi demitido.
Apesar de todos os avisos, o submersível foi colocado ao mar. O piloto poderia operar o veículo por um controle de videogame adaptado, parecido com o de um PlayStation. Outros detalhes também chocaram o mundo.
Não havia nenhum tipo de fio ou cabo ligando o submersível ao navio que os levou até a região, seja para içá-los, seja para localizá-los caso perdessem contato. Caso precisassem, contariam com um único botão para emergir. Além disso, não havia forma de sair, por eles mesmos, do submersível: a entrada era vedada e só podia ser desparafusada por fora.
O repórter da CNN Gabe Cohen, que já havia feito uma reportagem sobre o veículo, relembrou que ficou “impressionado com o quão simples” a tecnologia de bordo aparentava ser.
“É uma embarcação minúscula, bastante apertada e pequena. Você tem que ficar sentado dentro dela, sem sapatos. Ele é operado por um controle de jogo, que se parece essencialmente com um controle de PlayStation”, contou Cohen à CNN na terça-feira (20).
A simplicidade, que flerta com a negligência, pode ter provocado a morte dos cinco ocupantes do Titan. Talvez os problemas tenham sido outros. Também não se sabe se eles afundaram ou se conseguiram emergir. O fato é que a aventura sem os devidos cuidados com a segurança cobrou seu preço. E em entre tantas histórias dentro dessa história está a ironia de que o fim desses aventureiros guarda muitas semelhanças com destino do navio que foram visitar.
(Publicado por Fabio Mendes)