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O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), vai confessar ter negociado nos Estados Unidos, a mando do ex-presidente, as joias recebidas pelo governo brasileiro e que são alvo de investigação da Polícia Federal.
A estratégia de admitir sua atuação e indicar Bolsonaro como mandante da negociação foi revelada pela revista Veja e confirmada à Folha de S.Paulo pelo seu advogado, Cezar Bitencourt.
“Ele confessa que comprou as joias evidentemente a mando do presidente. Comprou e vendeu. ‘Resolva esse negócio e venda’, [teria dito Bolsonaro]”, disse Bitencourt sobre a venda das joias e relógios.
O advogado ainda afirmou à Veja que Cid entregou a Bolsonaro, em espécie, o dinheiro da venda do Rolex negociado nos Estados Unidos. À Folha de S.Paulo o defensor disse que o militar não se beneficiou com o negócio e que não se lembra do destino dos recursos.
Segundo Bitencourt, Cid confirmará também a adulteração no certificado de vacinação -uma mudança de estratégia, já que o militar havia permanecido em silêncio em depoimentos anteriores sobre o assunto à Polícia Federal.
O advogado disse, porém, que se trata de uma “confissão, não uma delação”. “Vou falar com o [ministro Alexandre de] Moraes na segunda-feira e tomar algumas providências”, afirmou Bitencourt.
Em entrevista à Folha na manhã desta quinta-feira (17), Bitencourt disse que não havia conversado com Cid sobre a venda das joias. Os dois se encontraram na quarta (16) e conversaram por cerca de três horas. Não tiveram outro contato desde então.
“Especificamente, a gente não conversou sobre isso. Mas eu tenho a impressão de que ele tinha certa autonomia. E mais: se eu erro aqui, eu conserto ali. Se fiz uma coisa errada aqui, posso consertar lá”, disse o advogado.
Após afirmar que Cid confessará que agiu a mando de Bolsonaro, Bitencourt disse que não sabe se o caso se restringiu à venda do Rolex ou se havia outras joias negociadas a pedido do ex-presidente.
“Eu preciso ver esse negócio exatamente, não sei se são as joias ou só o relógio, como é que é. Ele comprou a pedido do presidente, ele vendeu a pedido do presidente”, disse o advogado.
Mauro Cid foi preso em 3 de maio por suspeita de adulterar o seu cartão de vacinação, o de Bolsonaro, o de sua esposa, Gabriela Cid, e de uma de suas filhas.
Segundo a Polícia Federal, o militar teria colocado a informação falsa de que eles haviam sido vacinados para permitir a ida deles aos Estados Unidos dias antes da posse de Lula.
Na sexta (11), nova operação da PF mirou o esquema de venda de joias e presentes. Cid e seu pai, o general Mauro Cesar Lourena Cid, foram citados pela PF em negociações para vender presentes recebidos por Bolsonaro em viagens oficiais. Os bens são considerados de Estado, e Bolsonaro não poderia apoderar-se dos itens valiosos, segundo entendimento do TCU (Tribunal de Contas da União).
A defesa de Bolsonaro afirmou na última semana que o ex-presidente colocou sua movimentação bancária à disposição das autoridades e que ele “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos”.
Mais cedo, em entrevista à Folha, Bitencourt disse acreditar que as investigações da Polícia Federal contra seu cliente têm como foco principal Bolsonaro. “O que eles querem mesmo é o presidente [Jair Bolsonaro], não o Cid.”
Mesmo com essa percepção, Bitencourt havia recuado de quarta para quinta-feira -após uma primeira e longa conversa com Mauro Cid no Batalhão do Exército, em Brasília- e passado a afirmar que o militar não apenas cumpria ordens.
“Eu tenho a impressão de que ele tinha certa autonomia. E mais: se eu erro aqui, eu conserto ali. Se fiz uma coisa errada aqui, posso consertar lá”, completou o advogado na ocasião. Antes ele havia afirmado a alguns veículos de comunicação que o cliente só cumpria ordens do chefe.
O advogado disse ainda que iria interromper as entrevistas nesse primeiro momento porque “você irrita o outro lado”, em referência ao ex-presidente. “É bom não cutucar abelha com vara curta.” Logo depois, porém, deu novas entrevistas a veículos de comunicação.
Bitencourt é antigo crítico da delação premiada, especialmente pelo uso do instituto durante a Operação Lava Jato e havia descartado essa possibilidade no caso de Cid.
“A gente não pensa em delação, não tem nem por quê. Possibilidade zero. Vou fazer a defesa do Cid, não tem porque delatar ninguém. Eu sou contra isso.”
Bitencourt substituiu nos últimos dias Bernardo Fenelon, que deixou a defesa de Cid e havia sido o segundo advogado a representar o tenente-coronel. Antes dele, o criminalista Rodrigo Roca, próximo do clã Bolsonaro, também deixou a defesa do ex-ajudante de ordens. Na ocasião, alegou razões de foro profissional.
Na última sexta, a PF fez buscas contra aliados próximos ao ex-presidente e aponta Bolsonaro como suspeito de ter montado um esquema relacionado às joias durante o seu mandato. Assim como ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, ele foi alvo de pedidos de quebra de sigilos bancário e fiscal.
As investigações identificaram que Bolsonaro e auxiliares retiraram do país, no avião presidencial, pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado.
A viagem ocorreu em 30 de dezembro, véspera do último dia de mandato de Bolsonaro, para assim evitar seguir o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula (PT).
Foram levados três itens para avaliação e venda no país. Um era o conjunto com joias e relógio da grife Chopard, anunciado pela Fortuna Auction com preço estimado de US$ 120 mil a US$ 140 mil, ou seja, de cerca de R$ 611 mil a R$ 713 mil, conforme a cotação da época. O leilão foi aberto no começo de fevereiro, mas não houve compradores.
Os outros itens são relógios, um Rolex e um Patek, vendidos por um valor de R$ 333 mil. Frederick Wassef, um dos advogados de Bolsonaro, precisou comprá-lo novamente após manifestação do TCU (Tribunal de Contas da União) para devolução ao patrimônio público.