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O governo conta com uma expansão da receita líquida acima da média e poucas vezes registrada na história para alcançar o cenário de déficit zero nas contas públicas no ano que vem. Os dados considerados pelo governo apontam para um avanço real acima de 8% em 2024 (para R$ 2,1 trilhões), enquanto a série do Tesouro Nacional registra um crescimento real médio de 4,8% nos últimos 25 anos.
Os números, enviados pelo governo ao Congresso na sexta-feira (14) por meio do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), mostram quanto o plano fiscal do ministro Fernando Haddad (Fazenda) depende de uma expansão da arrecadação para buscar o reequilíbrio das contas públicas -expectativa da equipe econômica baseada tanto em uma melhora da atividade econômica como em novas medidas para obtenção de receitas.
Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Rena e ex-diretor executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas), calcula que a receita líquida projetada pelo governo para 2024 representa um crescimento real de 8,4% sobre a previsão mais atualizada para 2023.
Segundo Salto e o analista Josué Pellegrini (também da Warren), a despesa prevista no PLDO veio alinhada às contas deles (uma expansão real próxima ao teto permitido de 2,5%), mas a receita veio R$ 130 bilhões acima do que eles vinham calculando.
“A melhora do resultado primário, em 2024, dependerá de uma forte elevação das receitas”, afirmam em relatório distribuído aos clientes. “Resta, no entanto, explicar como atingir essa dinâmica”, dizem.
A série do Tesouro Nacional mostra que um crescimento como o projetado pelo governo ou acima disso aconteceu poucas vezes. Nos últimos dez anos, apenas no ano atípico de 2021 -quando avançou 21% em termos reais contra um ano antes (em meio à recuperação pós-paralisação causada pela Covid-19 em 2020).
Em 2022, (mais recente ano com os dados fechados), houve crescimento real de 7,74% na receita líquida sobre um ano antes. Em 2023, no entanto, os dados preliminares apontam para estabilidade -com risco até mesmo de queda.
A projeção do governo para as receitas tem atraído a atenção dos analistas por contrastar com o desempenho recente da atividade e da arrecadação. Além de o PIB (Produto Interno Bruto) considerado pelo governo estar acima do previsto pelo mercado, há sinais de perda de fôlego nas receitas mês a mês desde o fim de 2022.
A receita líquida acumulada em 12 meses vem desacelerando de agosto para cá. Naquele mês, o indicador avançou em termos reais 12,1% (contra um ano antes). Depois, reduziu a alta para 11,8% em setembro, 11,4% em outubro, 10,3% em novembro, 7,7% em dezembro, 6,0% em janeiro e 4,2% em fevereiro (mais recente dado disponível).
“Pelas nossas projeções, até o meio do ano, também considerando o cálculo acumulado em 12 meses frente aos 12 meses anteriores, as receitas líquidas, já retirando concessões, dividendos e royalties, devem ter queda real de 0,7%”, afirmam Salto e Pellegrini.
O cenário vem reforçando entre analistas a ideia de que novas iniciativas para zerar o déficit em 2024 serão necessárias. “Nesse momento, a maior incerteza incide sobre o cumprimento das metas de primário, que requer um aumento substancial das receitas”, dizem analistas do Bradesco em relatório da última semana.
Haddad anunciou que pretende lançar medidas de arrecadação com o objetivo de impulsionar as receitas em R$ 150 bilhões ao ano, o que poderia, em tese, fechar as contas para o ano que vem. Até agora, ele mencionou um conjunto de três iniciativas que, somadas, geram até R$ 113 bilhões.
São elas a tributação do mercado de apostas esportivas eletrônicas (de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões), as novas regras para evitar fraudes de plataformas de varejo internacionais (de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões) e o fim de brechas que permitem a empresas abater tributos federais usando benefícios do ICMS (R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões).
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, também comentou uma ideia sinalizada pelo governo de fechar o cerco contra o uso de paraísos fiscais por empresas -embora ainda não haja o detalhamento de como isso vai ser feito.
No PLDO, o governo menciona que a reforma tributária -com expectativa de votação neste ano- pode ter como efeito uma expansão na arrecadação. “A reforma tributária será uma oportunidade de gerar ganhos de simplificação e de eficiência, podendo colaborar inclusive com a recomposição de receitas a partir de seu efeito sobre o crescimento após aumentos de gastos e desonerações tributárias implementadas em 2022”, afirma o texto.
Outro ponto em que o governo pretende mexer são os gastos com subsídios e desonerações tributárias, que alcançarão R$ 486 bilhões em 2024 nas contas da Receita Federal. Haddad afirmou que quer implementar, após a votação da reforma tributária, uma revisão das medidas que levam a esse valor.
O governo lembra que a obtenção de receitas não é uma condição necessária para o funcionamento do arcabouço em si. “Não é condição sine qua non, o processo de ajuste continua seu curso independentemente do patamar”, afirmou Ceron em entrevista recente à Folha.
A atenção sobre a arrecadação existe, em grande parte, quando se analisa a viabilidade de o governo alcançar a melhora prometida para o resultado primário nos próximos anos (a partir da adoção da nova regra fiscal).
Mesmo com a dúvida sobre o atingimento dos cenários traçados pelo governo, analistas têm ponderado que o novo arcabouço fiscal de qualquer forma tende a gerar uma estabilização entre receitas e despesas no médio prazo.
“Ainda que a velocidade de ajuste dependa das receitas, nos três cenários apresentados [pelo banco] a regra contribui para um maior controle do gasto”, afirmam os analistas do Bradesco.
Eles afirmam que é necessário aguardar, no entanto, a regra no detalhe e o anúncio de novas medidas tributárias para definir qual o cenário fiscal para os próximos anos. A apresentação do texto do novo arcabouço fiscal está prevista para esta semana.