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7 entre 10 cidades brasileiras ignoram enchentes no planejamento urbano

Materializado em catástrofes recentes, o risco de inundações ou de desmoronamentos de encostas é ignorado no principal instrumento de planejamento urbano da maioria das cidades brasileiras, o plano diretor.

Medidas preventivas contra enchentes e enxurradas estão contempladas em apenas 27,61% dos planos diretores dos municípios do país. Quando avaliados os deslizamentos, esse índice cai para 13,11%, segundo estudo da Associação de Pesquisa Iyaleta com dados da Munic (Pesquisa de Informações Básicas Municipais) de 2020 do IBGE.

Planos diretores são leis responsáveis por direcionar o crescimento das cidades, apontando áreas mais adequadas à construção de moradias, desenvolvimento de atividades empresariais e criação de espaços públicos.

Outros instrumentos de planejamento urbano foram analisados pela Iyaleta e os resultados são igualmente desalentadores quanto à prevenção a catástrofes climáticas.

Entre as leis de zoneamento, que complementam planos diretores ao definirem regras de uso e ocupação do solo quadra a quadra, 28,2% contemplam inundações e 13,86% consideram escorregamentos de terra.

Só 13,09% das cidades têm planos específicos para redução de riscos e apenas 6,12% possuem planos de obras para lidar com a questão. Índice ainda mais baixo, de 5,6%, é o de municípios que possuem a carta geotécnica, estudo que analisa a aptidão do solo para a urbanização.

Metade das cidades (50,56%) está completamente no escuro quanto ao risco de tragédias, pois não contemplam o problema em nenhum dos seus instrumentos de planejamento urbano.

“Quando acontece um desastre em um município sem planejamento, sem estrutura, até mesmo sem um técnico com um computador, só restará ao Estado emitir decretos de calamidade para custear e lidar com o que já é uma tragédia”, diz o geógrafo Diosmar Filho, da coordenação de pesquisas da Iyaleta.

Ele apresentou os dados em evento organizado pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade) e pela CNseg (confederação de seguradoras) sobre o financiamento da adaptação de cidades à emergência climática, em julho, na capital fluminense.

O estudo da Iyaleta não especifica quais são os municípios, mas a base de dados do IBGE permitiu que a Folha compilasse as respostas das capitais do país e do Distrito Federal sobre o tema. O levantamento indica que 37% dos planos diretores das principais cidades brasileiras não contemplam a prevenção de enchentes e que 51,9% desconsideram deslizamentos.

Entre as capitais sem a prevenção a desastres nas regras de planejamento urbano está Porto Alegre, que teve 30% do seu território atingido pela inundação histórica que afetou ao menos 364 dos 497 municípios gaúchos neste ano.

A prefeitura da capital gaúcha está revisando o seu plano diretor e a questão climática é parte central da nova legislação urbana, afirma Germano Bremm, secretário do meio ambiente, urbanismo e sustentabilidade de Porto Alegre.

Iniciada em 2019, a revisão teve sua etapa de audiências públicas interrompida pela pandemia de Covid-19. Bremm diz que o projeto deverá ser enviado à Câmara após as eleições municipais.

O plano diretor de Porto Alegre é de 2010 e a revisão, iniciada antes da tragédia, já apontava como prioridade a redução de emissões de gases que provocam o aquecimento do planeta e a adaptação da cidade a eventos como inundações, erosão, secas e ondas de calor, segundo o secretário.

Bremm diz que crises como a que atingiu o Rio Grande do Sul tendem a afastar a ideia de que o país não está sujeito a desastres naturais.

“Havia no Brasil uma dissociação das pautas climáticas e urbanísticas, especialmente no plano diretor, que é o instrumento básico da política urbana”, diz.

Tragédias têm potencial para colocar a pauta ambiental no foco da gestão pública porque elevam o tema à condição de prioridade para uma parcela do eleitorado, diz o vice-presidente e responsável da Frente Nacional de Prefeitos pela comissão de cidades atingidas por desastres, o prefeito de Niterói (RJ), Axel Grael (PDT).

Em 2010, um deslizamento de terra no Morro do Bumba resultou em 48 mortes no município da região metropolitana do Rio de Janeiro. O evento ampliou a percepção sobre riscos e contribuiu para que Niterói esteja entre as cidades que incluem a prevenção em todas as regras urbanísticas consideradas na pesquisa do IBGE.

Engenheiro florestal e ambientalista, Grael diz que convencer prefeitos a priorizarem o desenvolvimento sustentável sempre foi tarefa árdua devido à falta de percepção dos gestores do que isso representa na prática, mas há uma notável mudança quanto à emergência climática, segundo Grael.

“A questão climática supera esse nível de percepção porque, com as tragédias, a mobilização de pessoas para que as cidades se tornem resilientes se tornou muito maior.”

Belém, que em 2025 será sede da conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, é a única das capitais cujos dados analisados pela reportagem indicam total ausência de instrumentos para prevenir riscos climáticos.

A prefeitura da capital paraense informou que seu plano diretor, de 2008, está sob revisão e que o diagnóstico sobre deslizamentos e alagamentos estará presente na lei a ser aprovada pela Câmara em 2025.

Desde 2018 enfrentando afundamentos de solo devido a atividades de mineração da empresa Braskem, Maceió também está entre as principais cidades com pouquíssimos instrumentos de análise de risco, segundo o IBGE. A capital alagoana não possui, por exemplo, a carta geotécnica de aptidão à urbanização.

A prefeitura de Maceió informou que a revisão do seu plano diretor está em andamento e que questões climáticas e reestruturação urbana serão abordados na lei. A administração ainda afirmou que os bairros afetados pela mineração não eram consideradas sujeitos a deslizamentos e alagamentos.

Planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, com destaque especial às secas e inundações, é também uma atribuição da União, segundo a Constituição Federal.

O governo Lula afirma, porém, que iniciativas cruciais para prevenir desastres e preservar vidas foram descontinuadas entre 2019 e 2022.
Segundo o Ministério das Cidades, a questão está contemplada no PAC Prevenção a Desastres e as últimas seleções do programa tiveram anúncios de investimentos de R$ 11 bilhões para encostas e drenagem e mais R$ 6 bilhões em resposta à calamidade no Rio Grande do Sul.

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