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Precisar de vaga em uma creche pública de Fortaleza e não ter acesso tem sido realidade contínua para famílias da capital cearense. Algumas mães relatam esperas de até 2 anos na tentativa de conseguir matricular os filhos em instituições da cidade.
O problema já ocupa a vida da dona de casa Thuane Lislen, 33, desde abril do ano passado, enquanto enfrenta uma fila que não anda. Ela aguarda vagas em creche para os filhos gêmeos, Maria Ivy e José Henry, de 2 anos e 5 meses.
Além dos impactos às contas da casa, já que não consegue trabalhar por não ter com quem deixar os pequenos, os prejuízos ao desenvolvimento dos filhos preocupa Thuane.
“Já perdi vários trabalhos, não tenho como fazer nada. São dois, pra onde vou tenho que levar. E eles estão sem estudar esse tempo todo, já vão fazer 3 anos, no ano que vem já é colégio… Sem creche, o colégio é muito mais difícil”, lamenta.
A dona de casa relata que chegou a receber oferta de uma vaga em creche no bairro Jangurussu, distante cerca de 11 km do bairro onde ela mora, o Jardim das Oliveiras.
“Como é que eu vou me deslocar? De 3 em 3 meses eu pergunto e dizem que tem 6 na frente. Sempre 6 na fila. Já fui ao Conselho Tutelar, no distrito educacional, já procurei o Ministério Público…”, lista Thuane.
Foi somente após o contato com o Ministério Público do Ceará (MPCE) que a mãe dos gêmeos recebeu a oferta da vaga distante de casa.
A situação se repete no bairro Mucuripe, onde a diarista Antonya Santos não consegue vaga para o filho Gabriel, 4, há dois anos. Em dezembro de 2022, por exemplo, ela foi informada de que a vaga estava reservada para o ano letivo de 2023, mas 15 dias depois recebeu uma ligação sendo avisada de que não havia mais a garantia.
“Aqui perto de casa só tem uma creche. Disseram que iam surgir mais vagas, mas não aconteceu. As outras creches que me sugerem ficam muito longe, não tem como, e eles não oferecem transporte”, reclama a mãe.
Desde o ano passado, ela também busca mediação junto ao MPCE, mas ainda não conseguiu sucesso. Após audiência com a Secretaria Municipal de Educação (SME), ela recebeu duas opções: ou aceitava a vaga em outra unidade (segundo ela, inviável pela distância) ou aguardar a disponibilidade na creche pretendida. Ainda assim, Gabriel só poderia permanecer por este ano, visto que a creche atende só a turmas do infantil.
“Basicamente, me disseram que botar nesse ano seria uma perda de tempo. Queria que meu filho estivesse na escola porque não tem como eu trabalhar, já perdi oportunidade de emprego por causa disso”, lamenta Antonya.
O Plano Municipal de Educação (PME) de Fortaleza, em vigor desde 2015, estabelece uma meta de, pelo menos, 50% das crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches até junho de 2025, quando o documento decenal perderá a validade. Conforme dados da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, instituição familiar e sem fins lucrativos que atua no desenvolvimento da primeira infância, até o ano passado, 33,88% desse público-alvo estava matriculado em Fortaleza.
No Brasil, essa oferta da educação infantil em creches (para crianças de 0 a 3 anos) e pré-escolas (para crianças de 4 e 5 anos) é competência das prefeituras. No entanto, governos estaduais e o federal também podem contribuir para a garantia de unidades do tipo, se considerado o regime de colaboração.
No 2° ciclo de monitoramento do Plano Municipal pela Primeira Infância de Fortaleza (PMPIF), divulgado pela Prefeitura de Fortaleza em março deste ano, foi reiterado que uma das ações estratégicas é a ampliação do atendimento educacional na Educação Infantil.
Nas iniciativas voltadas a essa população, a meta 1 tem três propósitos: a universalização do atendimento das crianças de 4 e 5 anos; o atendimento de 50% da população de 0 a 3 anos até 2025 e o atendimento de 50% das crianças da educação infantil (creche e pré-escola) em período integral.
Na terça-feira (11), o Diário do Nordeste questionou a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Fortaleza sobre os seguintes pontos:
Em nota, a SME afirma que a Educação Infantil é “uma área prioritária da gestão municipal”. Em Fortaleza, informa a pasta a mais de 25 mil estudantes matriculados na etapa creche e a capital conta com 298 unidades que atendem à Educação Infantil. A conta inclui 32 novos Centros de Educação Infantil (CEIs) com berçário entregues na atual gestão. Este serviço, destaca a SME, “é inédito, criado em 2021”.
A Prefeitura não informou sobre a fila de espera e disse que para matricular as crianças nas creches, pais ou responsáveis devem inscrevê-las no Registro Único (RU), um cadastro adotado pela SME para identificar a demanda de novas matrículas. O cadastro pode ocorrer em qualquer momento do ano letivo.
Segundo a SME, após o cadastramento dos alunos em idade de creche, o sistema municipal organiza a relação das crianças em situações de vulnerabilidade. Os critérios para a matrícula em 2024 envolvem os seguintes aspectos:
A reportagem também consultou o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), que acompanha a situação em Fortaleza, questionando sobre a fila de espera, mas foi informada de que, há um mês, a entidade enviou um ofício solicitando à Prefeitura esta informação – até agora, não obtiveram resposta.
O promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Defesa da Educação do MPCE, Francisco Elnatan Carlos de Oliveira, relata que há décadas acompanha as demandas da educação e esse “problema crônico” das creches. Ele recorda que, nos decorrer das últimas décadas, muitos procedimentos foram instaurados na tentativa de garantir a efetivação do direito de acesso à educação.
Ele aponta que Fortaleza já chegou a ter mais de 5 mil crianças na “fila de espera”. Atualmente, destacou, esse número é menor. De acordo com ele, o MPCE acompanha de forma sistemática essa demanda. Mas, os números atuais da “demanda reprimida” carecem de atualização. Além disso, aponta que em Fortaleza há 4 promotorias de Justiça que atuam na educação e em todas elas “há procedimentos contra o município de Fortaleza para criar vagas (nas creches)”.
Na Defensoria Pública Estadual, em Fortaleza, duas demandas relacionadas ao assunto se repetem no decorrer do ano: busca por vagas nas creches e os pedidos de realocação de vagas, pois mães e responsáveis não conseguem acessar os territórios nos quais as vagas foram disponibilizadas pela Prefeitura.
“Muitas vezes, é de um território muito distante de onde ela mora ou por questões de conflito territoriais ela não pode, de alguma maneira, acessar aquele território”, completa a defensora pública Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da instituição.
Quando a demanda é recebida, explica, a Defensoria escuta a mãe solicitante, registra se o cadastro pela demanda da vaga já foi feito junto à Prefeitura e se houve negativa.
“Com isso, a gente faz um relatório psicossocial, produzido pela equipe multidisciplinar da Defensoria, na perspectiva de contextualizar as questões socioeconômicas daquela mãe. Questões relacionadas às vulnerabilidades daquela família e da criança. E o impacto da ausência do acesso à política pública para aquela família, para a pessoa que está procurando e para a criança”.
Em seguida, a Defensoria indica que entra em contato com a SME e encaminha a solicitação da vaga ou a realocação. Esse processo é pela via administrativa. De acordo com ela, no atual cenário, 80% dos casos que chegam à Defensoria são resolvidos por essa via. Outros 20% seguem para judicialização.
“Encaminhamos esse material solicitando a vaga. Temos várias demandas que são atendidas após esse procedimento administrativo, principalmente, quando é caso de solicitação de uma vaga em um local diverso do que foi ofertado, considerando a questão territorial e as dificuldades que a mãe enfrenta”, completa.
No caso da busca por pré-escola, Mariana indica que existe, mas “é resolvida de forma mais rápida” e completa “porque existe, aparentemente, um espaço de acolhimento maior, ou seja, uma disponibilidade da rede para atender com uma capilaridade maior”.
Quando há a demanda para readequar a vaga disponibilizada e a Prefeitura informa que não existe outra vaga, a família requerente precisa entrar na fila de espera.
Questionada sobre os prazos de duração média dos processos administrativos, Mariana diz que, quando a Defensoria consegue resolver no primeiro momento, com o encaminhamento de um ofício à SME, o tempo para a resolução do problema dura, em média, 60 dias. Se precisar marcar uma audiência extrajudicial com a Prefeitura, o prazo aumenta e fica entre 90 e 120 dias. “Se a gente precisar judicializar, que são esses outros 20% (das solicitações), demora bastante”, acrescenta.
Além do cenário de falta de vagas, outra reclamação das famílias ocorre numa creche do bairro Conjunto Esperança. A unidade de ensino infantil fechou para reforma em fevereiro deste ano, depois que a SME identificou “pontos estruturais comprometidos”, e cerca de 80 crianças foram transferidas para outros espaços de atendimento, porém mais distantes.
Antonia Juliana da Silva, avó da menina Gabriele, 3, considerava a unidade anterior exemplar por ser de tempo integral. Contudo, após buscar uma nova vaga com muito esforço, pois faz tratamento de hemodiálise, só conseguiu atendimento no tempo parcial.
“A gente pede que seja feita alguma coisa pela gente. Não tem condição de a gente se deslocar do bairro para deixar a criança longe. Muitas mães ficaram sem trabalhar”, afirma.
O sentimento é compartilhado por Antonia Elizabeth Sousa, vó de Artur, de 2 anos. Segundo ela, a família decidiu pagar uma escola particular para o menino, uma vez que a transferência para o Canindezinho se tornou “inviável” pela distância.
“Nesse bairro, a única coisa que a gente tem é essa creche. Cadê o direito das crianças à escola? Elas estavam lá, mas tiraram 80 crianças. Agora, todas estão na fila de espera”, relata.
A SME informou que a creche fechada era uma unidade parceira da Prefeitura, gerenciada por uma organização da sociedade civil. No entanto, os problemas físicos “impossibilitaram a continuidade da parceria”. “Desse modo, foi realizada uma reunião com os familiares dos estudantes, apresentando outras unidades e, assim, garantir a matrícula de todas as crianças”, ressalta.
Atualmente, conforme a Pasta, a rede municipal de ensino conta com 112 creches parceiras e 186 CEIs.
Fonte: Diário do Nordeste